quarta-feira, 29 de maio de 2019

É proibido ser criança.

Deitada em um quarto de hotel ouço o choro de um bebê.
"Por que choras, ó criança?"
Será que ele já sabe o quanto sua existência é incoveniente para esse mundo hostil?
Nos tempos antigos, talvez não tão antigos... No mundo em que vivo, que deve ser diferente do mundo onde vivem as pessoas ao meu redor, um choro inconsolável causa sentimentos de piedade.
Será que tem dor? 
Será que tem fome? 
Será que se sente assustado, assim como nós muitas vezes, mas só conhece essa forma de expressar suas angústias?
E sua mãe, mãe de bebê que chora de tempos em tempos, será que precisa de algo? 
Uma ajuda? 
Um conselho? 
Umas horas de sono ou um banho demorado e despreocupado?
Muitas perguntas, nenhuma resposta, só o choro.
Certamente, nesse mesmo corredor, pessoas se incomodam com o pobre bebê. Consideram que o hotel deveria proibir a presença de bebês em seus quartos, assim como fazem alguns estabelecimentos.
Já existem hotéis só para adultos, onde crianças não são bem vindas. 
Uma vez li em uma crônica de jornal uma queixa sobre crianças em restaurantes. E o autor estava mesmo falando sério.
Nos teatros o aviso: "Se sua criança ficar impaciente, favor se retirar para acalmá-la do lado de fora da sala." 
As pessoas se aborrecem com crianças aborrecidas. 
As mesmas pessoas que "esquecem" de desligar celulares que tocam no meio do primeiro ato. Mas tudo bem, esse crime não é grave, acontece com qualquer um.
Fico imaginando para onde enviaremos os bebês e crianças.
Banidos da sociedade, viverão isolados com suas mães. Mulheres que também serão banidas. Culpadas por parirem crianças que choram, resmungam, que não se comportam como adultos ou robôs.
Que mundo é esse? 
Por que tanta hostilidade?
Pensando, sinto vontade de chorar junto com o bebê do quarto ao lado.
Mas é melhor chorar baixinho, lágrimas gotejando na fronha do travesseiro. 
Se eu chorar como ele, posso ser banida também.
Pensando bem, talvez eu deva berrar ainda mais alto. 
E convidar essas mães, para chorarem comigo.
Seremos todas expulsas desse lugar de gente ranzinza.
Vamos viver no planeta dos pequeninos. Vamos brincar, ver o mundo com olhos infantis, assistir peças de teatro e correr entre as mesas dos restaurantes, vamos cantar cantigas de roda...
Vamos chorar e nos consolar. 
Vamos pedir colo e dar colo, dar carinho, compreender a dor do outro e nos solidarizar.
No nosso planeta, bebês e crianças serão bem vindos, bem vistos, amados por todos. 
Criança vai ser criança.
E adulto ranzinza vai ser convidado a se retirar, ou a tirar os sapatos pra brincar de guerra de travesseiros.