quarta-feira, 6 de março de 2013

Realidade Paralela

22 de fevereiro de 2013 (sexta-feira). "Um temporal inunda a cidade de Cubatão".

No sábado sou transportada para um novo mundo. Um mundo onde as pessoas não se preocupam se as janelas estão abertas quando a chuva chega... porque a água invadem suas casas pelo chão, pelas portas, pelo telhado... vem derrubando paredes e destruindo tudo que encontra pela frente. Um mundo em que não adianta correr para tirar a roupa do varal, pois a água barrenta já está molhando as roupas nos armários...

E as pessoas fogem de suas casas, carregando os filhos nos braços, e procuram um lugar seguro no abrigo público... chegam sem bolsas ou documentos, com as roupas do corpo cobertas de lama... lágrimas nos olhos pela desgraça... ou alívio na alma, por terem sobrevivido...

É difícil reconstruir tudo que se perdeu, o que se construiu durante a vida... mas restou a vida, e a coragem de reconstruir.

E nesse mundo que vivo agora, vejo crianças se divertindo com brinquedos doados... famílias escolhendo roupas e sapatos nas montanhas de peças que centenas ou milhares de pessoas enviaram...

Há dias não vou ao meu local de trabalho... meu trabalho agora é ajudar ! Troquei os projeto, programas e pesquisas, por um trabalho que exige a força dos meus braços, mãos, pernas... Já nem sinto dores musculares ou nas costas... e mesmo ficando em pé por muitas horas do dia, não tenho o direito de sentir cansaço: Porque à noite, tenho minha casa para descansar... minha cama para relaxar. Eu tenho um colchão e travesseiros limpos e secos!!!

Trabalho com uma equipe de muitos rostos, muitos nomes, muitos endereços... Vários estão lá voluntariamente, vários também sofreram perdas na enchente, ou já passavam por dificuldades antes mesmo da chuva chegar. Não temos nomes, não temos preguiça, não temos vaidades... Estamos todos, ajudando desconhecidos... Sentimos que é nosso dever ajudar!

Nunca agradeci tantas vezes por dia, por tudo que tenho... Nunca dei tanto valor às pequenas coisas...

Não tenho razão para reclamar de absolutamente NADA!

E a cada história, a cada conversa, a cada nova doação que temos que desembalar, conferir, registrar... Percebo o quanto as pessoas são boas (mesmo que algumas só despertem nas grandes tragédias).

E nesse mundo onde estou, temos cruzes vermelhas, olhos castanhos, peles claras e morenas, cabelos grisalhos, loiros, castanhos... e somos todos amigos, trabalhando em equipe.

Não sei quanto tempo vai durar toda essa mobilização... Não sei quantas pessoas poderemos ajudar...

Mas sei que quando essa fase passar, VOLTAREI PARA MINHA REALIDADE PARALELA, carregando na alma, uma experiência única (ou talvez não), que certamente me fez crescer e mudar... E me fez enxergar um mundo muito maior. Um mundo com pessoas capazes de torná-lo muito melhor!!!!

Maria Helena Pereira de Sá


Um comentário:

  1. Profundo e tocante. Ás vezes somos levados a encarar de frente a dura realidade da vida das outras pessoas para enxergarmos quão repleta de dádivas é a nossa própria vida. Você nos ensina com palavras e atitudes. Obrigado!

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