domingo, 16 de março de 2014

Vivendo na cidade

Um grito de desespero me acorda no início da manhã.

Ouço uma voz jovem gritando, chorando e pedindo para chamarem sua mãe. Suas palavras entrecortadas pela dor e pela angustia, são difíceis de compreender.

Penso no bebê que chora noite e dia na vizinhança. Será que aconteceu alguma coisa com ele?

Viver na cidade é entender o significado da palavra comunidade. Vidas que se cruzam, se unem, se separam.

A história de cada um se desenrola ali, tão perto de você, mas os trechos são incompletos.

Não, eu não quero cuidar da vida dos que vivem ao meu redor. Mas a cidade me impõe a obrigatoriedade de saber e não saber o que se passa a minha volta.

Já ouvi outros gritos, muitos tipos de gritos aliás...

Já fui espectadora de karaokês, de festas, de brigas, latidos de cachorros e até de gente que não tem pudores ao declarar o seu amor.

Os sons perseguem os cidadãos.

Como dizia uma antiga canção: ♫Ouço passos na escada, vejo a porta abrir...♫

Também ouço gente caminhando no apartamento de cima, objetos caindo, a reforma do vizinho... e sei que ele pendurou quadros na parede na última terça (à noite).

Impossível se sentir só.

Sei que estou cercada por todos os lados. Pelo duto do banheiro ouço crianças de algum apartamento chamando alguém para limpá-las. Lembro de quando minha filha também me chamava.

Como posso reclamar dos sons dessa nossa sociedade?

Imagino que os vizinhos também me ouvem através das paredes.

Me ouvem cantar no chuveiro, e o som de minha tv altíssima. (Quantas vezes tenho que pedir para baixarem o volume?)

Meus barulhos não são percebidos por mim, mas com certeza devem incomodar alguém.

Os moradores do prédio, em frente a minha janela da sala,  tem que conviver com o miado do gato, os piados da calopsita, as visitas diárias que deixam minha casa em ritmo de festa... Uma festa interminável que torna minha vida ainda mais feliz.

Esses vizinhos acompanham tudo, os sons, as imagens...

Eles quase participam dos encontros familiares.

Algumas vezes, penso que deveria fechar as cortinas, mas ora essa, eu não tenho cortinas para fechar!

A casa está sempre aberta, portas, janelas... Sempre pronta para receber mais um convidado, os raios do sol da manhã ou os olhares curiosos dos que vivem ao redor.

Afinal, nossas histórias, apesar de incompletas, são ouvidas e assistidas dia após dia, nessa convivência compulsória que chamamos de vida em sociedade.

E então... O bebê voltou a chorar. Com ele está tudo bem! Tudo parece calmo novamente, mesmo com seu choro insistente.

A vida segue seu curso e eu posso voltar a dormir.

Sobre os gritos que me despertaram?

Não sei o que aconteceu, provavelmente eu nunca vá saber. É só mais um trecho de uma história sem começo e sem fim...

Só sei que o bebê está bem, talvez com fome ou com a fralda suja, mas está bem...

E agora eu posso dormir tranquila, ouvindo os sons rotineiros da vizinhança.

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