Não
me trate como criança!
Já vivi muitos anos, e ainda tenho minha vida toda pela
frente.
Posso
não ter a mesma agilidade que um dia eu tive, mas tenho muita vontade, e muitas
coisas para fazer.
Quero
ter minha casa, meu canto, varrer “meu” chão e ariar “minhas” panelas.
Sim,
eu sei dirigir! Ainda que não acompanhe os movimentos bruscos ou a velocidade
frenética dos jovens de hoje em dia.
Eu
me sinto bem em meu próprio mundo. Não tenho mais vontade ou necessidade de ler
livros ou acompanhar filmes compridos. Assisto apenas alguns capítulos de uma
novela, e fico pulando de canal em canal.
Quero
apenas sentar em meu sofá, na minha sala cheia de antigos objetos, que me
trazem boas recordações.
Não,
eu não sou uma criança birrenta! Minha teimosia significa que ainda quero tomar
minhas próprias decisões.
A
minha vida pode durar meses, anos ou décadas... Assim como a sua!
Não
pense que a juventude é sinônimo de razão. Eu também já fui jovem, já pensei
ter todas as respostas e ser capaz de solucionar qualquer problema... Mas em
minhas certezas de acertar, eu errei muitas vezes.
Não
queira que eu mude agora. Eu não sou “Gabriela”, “não nasci assim, não cresci
assim, nem sou mesmo assim”,... porque quero.
Foi
o tempo que me esculpiu dessa forma, assim como a água dá forma às rochas após
o impacto, ano após ano.
Cada
passo, cada tropeço, a vontade de seguir sempre em frente, me fazem insistir em
minhas convicções atuais.
Eu construí
meu pequeno império ao longo de muitos anos e é em meu castelo que quero viver.
Sim,
eu amo meus filhos e filhas. Amo meus netos e meus sobrinhos, mas não são eles
que vão tomar as minhas decisões.
Quero
paz, quero sossego. Não preciso que ninguém me lembre de todos os meus
problemas, porque, ainda que minha memória esteja fraca, eu convivo diariamente
com as minhas dificuldades.
Os
jovens não são mais espertos do que eu, somente por se lembrarem dos acontecimentos
da última semana... Ou do que comeram na última refeição.
Meu
baú de memórias está repleto de cenas vividas, de fatos importantes. Meu baú de
memórias é muito mais pesado e como vocês sabem, eu já não tenho o mesmo vigor ou
a capacidade de carregar esse baú para todo lado.
Eu
remexo minhas memórias, buscando aquelas das quais quase me esqueci durante os
dias de minha vida. Procuro as mais antigas, as mais amareladas, as que mostram
a imagem de meu primeiro cãozinho, ou das músicas que eu cantava nas noites de
natal.
Sabe filho,...
eu te conto velhas histórias, muitas vezes repetidamente, porque são fatos
importantes para mim. E te conto novamente, insistentemente, até que minhas
memórias sejam repassadas para o seu próprio baú, e assim, minha vida vai se
perpetuar na sua. E minhas lembranças, talvez sejam contadas aos tataranetos
que eu nem vou conhecer. Um dia, eles me conhecerão através de minhas histórias.
Hoje,
meus cabelos são brancos, minha pele é marcada por manchas e rugas. Muitas
partes do meu corpo doem, ou não funcionam como deveriam, mas meu coração,
ainda que descompassado, carrega uma quantidade infinita de amor.
Eu
tenho a certeza, de que todas as ordens que ouço de meus entes queridos, são
dadas, porque eles querem o meu bem. Mas eu não quero obedecer a nenhuma ordem!
Quero
apenas que vocês se sentem ao meu lado e conversem sobre algum assunto trivial.
Quero que me mostrem como funciona esse joguinho que os mantem vidrados na tela
do celular enquanto a vida passa ao redor.
Vocês,
jovens, já não assistem ao pôr-do-sol, já não olham nos olhos das pessoas que
amam.
Eu quero
que vocês percebam que eu sou como o sol, e estou rumo ao entardecer. Nada poderá
fazer que eu mude de direção.
Então,
simplesmente sentem-se ao meu lado e vamos juntos aproveitar o meu calor e a
minha luz. Façamos isso, antes que ela se apague.
--------------------------------------------------------------------
Maria Helena Pereira de Sá - Mãe, filha, esposa, escritora e observadora do comportamento humano. Outros textos no blog: helena73.blogspot.com.br
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Envie seu comentário para helena73sa@gmail.com ou use esse espaço