quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

Conversa entre pais e filhos...

Não me trate como criança!

Já vivi muitos anos, e ainda tenho minha vida toda pela frente.

Posso não ter a mesma agilidade que um dia eu tive, mas tenho muita vontade, e muitas coisas para fazer.

Quero ter minha casa, meu canto, varrer “meu” chão e ariar “minhas” panelas.

Sim, eu sei dirigir! Ainda que não acompanhe os movimentos bruscos ou a velocidade frenética dos jovens de hoje em dia.

Eu me sinto bem em meu próprio mundo. Não tenho mais vontade ou necessidade de ler livros ou acompanhar filmes compridos. Assisto apenas alguns capítulos de uma novela, e fico pulando de canal em canal.

Quero apenas sentar em meu sofá, na minha sala cheia de antigos objetos, que me trazem boas recordações.

Não, eu não sou uma criança birrenta! Minha teimosia significa que ainda quero tomar minhas próprias decisões.

A minha vida pode durar meses, anos ou décadas... Assim como a sua!
Não pense que a juventude é sinônimo de razão. Eu também já fui jovem, já pensei ter todas as respostas e ser capaz de solucionar qualquer problema... Mas em minhas certezas de acertar, eu errei muitas vezes.

Não queira que eu mude agora. Eu não sou “Gabriela”, “não nasci assim, não cresci assim, nem sou mesmo assim”,... porque quero.
Foi o tempo que me esculpiu dessa forma, assim como a água dá forma às rochas após o impacto, ano após ano.
Cada passo, cada tropeço, a vontade de seguir sempre em frente, me fazem insistir em minhas convicções atuais.

Eu construí meu pequeno império ao longo de muitos anos e é em meu castelo que quero viver.

Sim, eu amo meus filhos e filhas. Amo meus netos e meus sobrinhos, mas não são eles que vão tomar as minhas decisões.

Quero paz, quero sossego. Não preciso que ninguém me lembre de todos os meus problemas, porque, ainda que minha memória esteja fraca, eu convivo diariamente com as minhas dificuldades.

Os jovens não são mais espertos do que eu, somente por se lembrarem dos acontecimentos da última semana... Ou do que comeram na última refeição.

Meu baú de memórias está repleto de cenas vividas, de fatos importantes. Meu baú de memórias é muito mais pesado e como vocês sabem, eu já não tenho o mesmo vigor ou a capacidade de carregar esse baú para todo lado.
Eu remexo minhas memórias, buscando aquelas das quais quase me esqueci durante os dias de minha vida. Procuro as mais antigas, as mais amareladas, as que mostram a imagem de meu primeiro cãozinho, ou das músicas que eu cantava nas noites de natal.

Sabe filho,... eu te conto velhas histórias, muitas vezes repetidamente, porque são fatos importantes para mim. E te conto novamente, insistentemente, até que minhas memórias sejam repassadas para o seu próprio baú, e assim, minha vida vai se perpetuar na sua. E minhas lembranças, talvez sejam contadas aos tataranetos que eu nem vou conhecer. Um dia, eles me conhecerão através de minhas histórias.

Hoje, meus cabelos são brancos, minha pele é marcada por manchas e rugas. Muitas partes do meu corpo doem, ou não funcionam como deveriam, mas meu coração, ainda que descompassado, carrega uma quantidade infinita de amor.

Eu tenho a certeza, de que todas as ordens que ouço de meus entes queridos, são dadas, porque eles querem o meu bem. Mas eu não quero obedecer a nenhuma ordem!

Quero apenas que vocês se sentem ao meu lado e conversem sobre algum assunto trivial. 

Quero que me mostrem como funciona esse joguinho que os mantem vidrados na tela do celular enquanto a vida passa ao redor.

Vocês, jovens, já não assistem ao pôr-do-sol, já não olham nos olhos das pessoas que amam.

Eu quero que vocês percebam que eu sou como o sol, e estou rumo ao entardecer. Nada poderá fazer que eu mude de direção.


Então, simplesmente sentem-se ao meu lado e vamos juntos aproveitar o meu calor e a minha luz. Façamos isso, antes que ela se apague.

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Maria Helena Pereira de Sá - Mãe, filha, esposa, escritora e observadora do comportamento humano. Outros textos no blog: helena73.blogspot.com.br

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